A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) desempenha papel crucial nos programas de pós-graduação (mestrado e doutorado) em todo território nacional. Em seu histórico, diversas mudanças, desafios e encargos conferiram a criação da Nova Capes (Lei nº 11.502/2007)i , cujo objetivo é fomentar a construção e a manutenção do alto padrão de professores em diversos níveis e em distintas áreas do conhecimento. De Anísio Teixeira (1952-1964) ao atual presidente, Carlos Nobres, a Capes possui autonomia em suas políticas, ainda que seja subordinada ao Ministério da Educação (MEC).
Causa-nos espanto, portanto, que esta Capes não consiga discernir seus parceiros e desenhe sua política de fomento à formação humana por meio do Prêmio Vale-Capesii , em high light na primeira página do seu site, negligenciando contradições socioambientais e incentivando premiações como se a educação fosse neutra, desprovida de sentido crítico que não conseguisse enxergar o que representa o passivo socioambiental da companhia Vale, principalmente passados 100 dias do maior acidente ambiental já registrado no país, causado pela empresa Samarco, subsidiária da mesma.
A lista de desastres ecológicos e de injustiças ambientais causados pela Vale é enorme. Intrinsecamente conectada aos danos ambientais, há uma teia de significações sociais que também sofre com a missão da Vale, destacada em sua home page: “transformar recursos naturais em prosperidade e desenvolvimento sustentável”. Só esta frase já revela o que significa a Vale, mas ela pode ludibriar um ingênuo que gosta de jargões ambientais, ou capitalistas com novas roupagens, contudo, a Capes deve estar mais atenta a estas missões da Vale, que se expressam em alguns exemplos de impactos e conflitos socioambientais:
• No estado do Pará, esta “nobre missão” da Vale se traduz pela mineração no interior de Unidades de Conservação (UC) e de Florestas Nacionais (Flona), como o megaempreendimento do projeto ferro S11D, em Carajás;
• No Maranhão e Pará, a estrada de ferro Carajás da Vale causa mortes, atropelamentos, trepidação das casas, rachaduras, derrubadas e outros 2 conflitos sociais intrinsecamente relacionados com a deterioração ambiental, como é o caso da produção de carvão vegetal no Maranhão, causando inúmeros agravos na saúde de trabalhadores e moradores locais;
• No município de Moju, Pará, o mineroduto da Vale afetou drasticamente cerca de 800 comunidades quilombolas, que além de viver o terror ambiental, sofreu diversas violações de direitos humanos, inclusive com aumento de prostituição infantil em função da chegada de muitos homens no trabalho de transporte de bauxita;
• Em Minas Gerais, a Vale (Mina de Capão Xavier) está agindo sobre um grande aquífero que tem suas águas diminuídas ano a ano em função das operações de minérios de ferro;
• No Rio de Janeiro, a Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) que é um empreendimento da Vale, traz prejuízos ambientais enormes nos manguezais, além de afetar a saúde da população local com poluição atmosférica proveniente da deposição de ferro-gusa em cavas abertas, além da elevação da emissão de CO2 e óxidos de enxofre;
• A Vale tem invadido terras indígenas, a exemplo dos Xikrin, na província mineral de Carajás, PA, e exerce enorme pressão para ocupação das terras indígenas da Chapada do A, onde habitam os indígenas Tupinikim, no estado do Espírito Santo;
• Em Moçambique, as empresas de mineração Moma e Moatize da Vale, já expulsaram inúmeras famílias camponesas de suas comunidades para dar lugar às minas de carvão. Situação parecida ocorreu na Indonésia, continente asiático;
• A Vale aumentou jornadas de trabalho no Canadá, realizou demissões em massa na Vale-Inco, envolvendo mais de 3 mil trabalhadores que fizeram greve e testemunharam a destruição do lago de Sandy Pond por meio de dejetos da mineração;
• Na região de Mendoza, Argentina, os fertilizantes utilizados pela Vale destruíram proporções significativas da biodiversidade local, além dos riscos de salinização dos rios;
• Na Nova Macedônia (Pacífico), a Vale-Inco tenta implementar a mineração de níquel com um duto para despejar resíduos no mar, que pode prejudicar ou até mesmo extinguir a barreira de corais e o maior sistema de lagoas do planeta.
A Vale tem outras diversas denúncias que correm o Brasil e mundo, relacionadas com violações de direitos humanos, impactos trabalhistas, jornadas de trabalho exaustivas, trabalho escravo e infantil, sonegação de royalties e evasão de divisas, entre outros. Recentemente testemunhamos o pior acidente socioambiental do Brasil, causado pela Samarco (Vale e BHP Billiton), por toda extensão do Rio Doce, afetando mais drasticamente os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. São incalculáveis os danos físicos, morais à diversidade biológica ao patrimônio histórico e cultural, e a própria sobrevivência das famílias afetadas por este episódio, que não foi acidental, e que trouxe indignações nacionais e internacionais não apenas no âmbito do ambientalismo, mas também em toda a esfera social.
Em total dissintonia com o respeito à biodiversidade dos ecossistemas afetados, aos seus acervos históricos e arqueológicos ou às suas comunidades humanas, o rompimento das barragens de Samarco traz também o nosso rompimento e o nosso repúdio ao “Prêmio Vale-Capes”!
Nesse sentido, o Grupo de Trabalho 22 (GT 22 – Educação Ambiental) da Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação (ANPEd) conclama que os demais grupos, programas e pesquisadores boicotem a premiação e endossem este MANIFESTO DE INDIGNAÇÃO pela parceria Vale-Capes
A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem: a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las (Santo Agostinho)
Rio de Janeiro,18/02/2016.
GT 22 – ANPEd
Educação Ambiental
i
http://www.capes.gov.br/historia-e-missao
ii
Tem o objetivo de “selecionar as melhores teses de doutorado e dissertações de
mestrado defendidas em 2014” (cf. http://www.capes.gov.br/component/content/article/36-
salaimprensa/noticias/7813-abertas-as-inscricoes-para-a-nova-edicao-do-premio
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